DOCES PRAZERES


Ela sopra,
com força o ar quente e sensual,
da sua boca que se confunde com o calor da noite
que entra pela fresta da janela.
Alta vai a noite
nessa cama pornograficamente escaldante,
noite diabólica,
o vira e revira corpo e pensamentos,
procurando a posição mais correcta,
e acima de tudo uma ideia que a refresque e adormeça.
Metade da cama é o espaço que lhe cabe,
que ali no outro lado, estou eu, derretendo.
Ela emana um calor adormecido
e goteja um suor perfumado ao toque do meu corpo,
delineia uma fronteira invisível nesse lençol amarfanhado,
das voltas e reviravoltas.
Ela bebe a água quente, da garrafa,
molha cabelos, pescoço e pêlos,
olha o branco do teto e rende-se,
ao sabor do calor,
à fadiga,
à insónia,
encaixa-se em mim pelas costas em forma de concha,
cola pernas,
costas no meio peito,
sente a minha boca no seu pescoço,
e puxa a minha mão,
para lá do delta de Vénus e encharcada de suor,
entrega-se a doces prazeres diabólicos...

APÓS O BANHO


Após o banho, nua
ainda, o corpo molhado
ao meu encontro, visão,
relembro, cálido êxtase,
os seios entrevistos
no decote frouxo, agora, nua,
toalha molhando-se, ressurgem
após o banho,
gemendo, suave embalo, avidez
de língua e mãos, nua, vens,
perfume, sulcos na pele,
ansiada espera, curvas, a entrega
ao meu olhar, bocas, rosa
túmida, pétala, sucção, espuma,
resplandeces para mim, nua,
após o banho.

EXPRESSO EROTICO AO ACORDAR


Procuro uma chávena de café expresso
amargo, puro e quente
sorvo o líquido espesso
vagarosamente…
Deixa-me sentir na boca
aquece a língua e lábios
afasta as canelas, arreganha o ventre
abocanho tudo e absorvo, o gole
insaciável e descaradamente…
Estala nos lábios
mistura aromas e humores
encharca o nariz, permuta calores
Entorpece-me nos sabores
vai ao limite do gozo
começa tudo de novo…
Até ter vontade de gritar
Do décimo andar
isto é o que eu sempre desejei.
Um expresso erótico ao acordar...

BEIJO PALADAR DOS NOSSOS DESEJOS


Beijos canibais
mordidos
lambidos
sugados
devorados
doces
quentes
ardentes
Delicia-me o teu beijo salgado
quando nele me reencontro...
É o paladar do nosso desejo
É o link de duas vontades...
Cada beijo que não te dou
fica guardado na minha boca
à espera que tu chegues. . .

DISCURSO PROVOCANTE


Na minha cama, pela madrugada,
eu beijo a tua boca,
sentindo a maciez do teu corpo,
com o toque da minha mão,
dos lábios finos e macios,
que se abrem e que se fecham num discurso provocante,
com o delírio do calor do meu corpo nu,
um corpo de mulher,
que se esconde nos lençóis da minha cama.
E eu respiro o ar quente dos teus lábios,
misturo o teu suor no meu corpo,
na cama ouço os teus íntimos segredos,
delírios feitos de gemidos
e de vontades secretas
e tu murmuras baixinho,
com as tuas mãos no meu peito.
“Dorme! Meu amor!”
dizes-me tu, pela manhã baixinho,
com as tuas coxas entre as minhas pernas...

A VALSA DO PRAZER

Excitas-me
quando teu corpo dança pra mim
a valsa do prazer...

A LINGUA GIRAVA NO CÉU DA BOCA


A língua girava no céu da boca.
Girava! Eram duas bocas, no céu único.
O sexo desprendera-se de sua fundação,
errante imprimia-nos seus traços de cobre.
Eu, ela, elaeu.
Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu.
A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava.
Consumia-nos em piscina de aniquilamento.
Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino,
vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.
A custo nossos corpos,
içados do gelatinoso jazigo, e restituíram à consciência.
O sexo reintegrou-se.
A vida repontou: a vida menor.

(Carlos Drummond de Andrade)